terça-feira, 21 de julho de 2015

In Jeddah! Um mês após...

Em Jeddah
Por vezes questiono-me como tive coragem de embarcar para um país como a Arábia Saudita, sozinha. O balanço que fiz ao fim de um mês foi que "afinal não era assim tão mau".

Chegada a Jeddah, um grande deserto visto de cima

Era Maio de 2013.
Lembro-me de chegar ao Aeroporto de Jeddah e deparar-me com enormes filas na fronteira e não perceber para onde me deveria dirigir. As mulheres tinham vestida a Abaia. Muitas delas, provenientes de países não muçulmanos, vestiram as Abaias antes de sair do avião.
Eu não tinha aquela longa veste preta para cobrir as formas do meu corpo, mas vestia uma blusa larga branca e uma saia longa azul (fora aconselhada pela minha agente de emprego a cobrir-me o máximo possível).
Os guardas da fronteira pareciam lentos, sérios, um pouco intimidantes...as pessoas saltavam de fila em fila, os guardas abandonavam por vezes o balcão e deixavam as pessoas á espera. Mais tarde entendi que aquele era um exemplo típico do serviço em geral no Reino.
Posteriormente um guarda chamou as mulheres todas para outro balcão e afinal a nossa passagem acabou por ser mais rápida do que se esperava.

A minha mala foi recolhida por um empregado do aeroporto que me acompanhou até ao exterior.
Na parte das chegadas o relação-públicas do Hospital para onde eu iria trabalhar, esperava por mim e recebeu-me com um grande sorriso. Que alívio, pensei.
Vestido de branco, no típico traje árabe, ele mostrou hospitalidade, passou-me algumas informações importantes, acompanhou-me a um balcão para eu comprar um cartão telefónico árabe e acompanhou-me ao carro onde um motorista esperava por mim.
O motorista, egipcio, como mais tarde percebi que a maior parte dos taxistas são egípcios ou paquistaneses, levou-me ao Condomínio, Sector feminino do Hospital King Faisal.
Era noite quando cheguei, quente, muito quente. Estava a decorrer uma festa organizada por umas raparigas á beira da piscina. Fui acompanhada ao meu estúdio e deparei-me com uma recepção simpática e bastante util, porque não saberia onde ir para comer, uma colecção de mantimentos na minha cozinha.
As regras foram-me explicadas pela housekeeper e ali fiquei. Serena, expectaste, sozinha.
Ainda sem serviço de Internet para poder me conectar, senti-me um pouco isolada. Telefonei aos meus pais para sossega-los e dizer que estava bem.
Não foi fácil convencer, principalmente a minha mãe de que tudo iria correr bem para mim na Arábia. Infelizmente a história política, religiosa e militar da Arábia não transmite muita confiança a quem vive o mundo ocidental e nenhuma mãe deseja ver a sua filha a emigrar para lá, principalmente sozinha.
A dada altura reparei que não tinha o meu passaporte comigo! Que susto! Acabara de chegar á Arabia e estava sem passaporte? Telefonei ao taxista, o passaporte não estava no carro. Procurei melhor nas minhas malas. Nada...Teria caído no chão? Não encontrei. Telefonei ao relações publicas que ainda estava no Aeroporto a receber outras enfermeiras e ele encontrou o meu passaporte no balcão da companhia telefónica. Esquecera-me dele lá. Felizmente guardaram-no. O taxista voltou com o meu passaporte e um sumo de fruta. Quis retribuir com uma gorjeta mas recusou. Simpatico pensei :)

O meu primeiro susto, perder o passaporte
No primeiro dia que fui ao Hospital, conheci um grupo de enfermeiras recém-chegadas e juntas fizemos o programa de Integraçao ao Hospital.
No meu caso e no caso das outras enfermeiras "Locum" a nossa integração é muito rápida e intensa. Ser locum significa que vimos por pouco tempo (neste caso 3 meses) e um programa de integração que normalmente é feito num mês, é feito em 15 dias.

Primeiro jantar num restaurante com as minhas primeiras amigas
È muito cansativo e intenso. Não há tempo para pensar muito ou sentir. É simplesmente fazer um curso atras do outro, assistir aulas atras de aulas, estudar e nas pausas, comer, dormir, sair para comprar comida, comprara Abaias para vestir, comprar Internet, perceber como tudo funciona, conhecer pessoas, memorizar nomes estranhos\estrangeiros, saber como funcionam os transportes, onde se pode ir para comer, onde se pode ir para relaxar, etc... É muita informação para se processar em pouco tempo, reaprender outra língua, falar a toda a hora em inglês, tentar comunicar em árabe com quem não fala inglês, gerir as emoções de saudades, de solidão, de stress, o calor infernal de Jeddah, a surpreendente humidade do ar...
Eu costumava adormecer muito cedo nas primeiras semanas. Mal chegava a casa, por volta das 18h00, adormecia. Nem tinha força para me levantar de novo e cozinhar o jantar. Não comia á noite. Estava exausta. A dada altura, sem ter ninguém com quem falar português, apercebia-me que já pensava em inglês. Uma língua que não era a minha já me invadira o pensamento e isso era esgotante.
Foi muito cansativo mas consegui.

É necessário fazer todos os cursos de novo: BSL, ALS, ECG e ritmos cardiacos, inserção de acessos venosos, cuidado de catéteres centrais, catéteres urinários, sondas nasogástricas, drenos torácicos....etc.

Cursos, estudo e estudo e cursos

A politica do Hospital King Faizal é correcta neste aspecto. Eles sabem que somos enfermeiras credenciadas, que muitas de nós trabalharam em cuidados ao doente crítico e temos experiência nestas matérias, mas é um facto que eles recebem no Hospital enfermeiras do mundo todo e precisam garantir a qualidade e a uniformização de procedimentos. Até aqui eu achei que eles eram excelentes no cuidado.
A linguagem profissional dentro do Hospital, entre os profissionais é em inglês.
Há enfermeiros de todo o mundo: a maioria filipinos, depois indianos, libaneses, jordaneses e bastantes sul-africanos. Há uma minoria de ocidentais e por isso eles procuram tanto "western nurses" e eles são ingleses, irlandeses, checos, americanos, canadianos, australianos e...uma portuguesa - eu! Eu era a única pessoa portuguesa no Hospital King Faisal de Jeddah :)

A primeira caminhada á noite.

Um Ferrari branco. A primiera de muitas extravagancias mais tarde testemunhadas.

A piscina do nosso complexo

Um dos muitos picnics organizados pelo da piscina pelas enfermeiras 


São um doce estas filipinas


O meu estudio


Os mantimentos de recepção


O alojamento providenciado pelo Hospital está na verdade, obsoleto. Apesar de os edifícios por fora estarem bem preservados, por dentro não são boas a condições, o mobiliário é antigo, há extraordinariamente incêndios frequentes nos edifícios, não há bom sinal de Internet, o ginásio está decadente, o ar condicionado não funciona sempre...um alojamento razoável mas não excelente. Na verdade eles têm um projecto para nos anos futuros construírem uma autêntica cidade com caros edifícios hospitalares e alojamento dos funcionários concentrados na mesma área. Isto será para 2020-2025 e será na zona Norte de Jeddah, próximo do Aeroporto.
O condominio neste momento é pequeno para a quantidade de funcionários imigrantes. Divide-se em Sector Feminino e Sector de famílias. O Sector Masculino, por falta de espaço, é fora do condomínio, num prédio de apartamentos numa das ruas de Jeddah. O condomínio não tem mais que prédios de apartamentos, um miserável supermercado, pequeno e muito escasso na quantidade e variedade de produtos, uma piscina, um ginásio, como ja referi sem condições, uma churrasqueira e uma area de mesas e cadeiras perto da piscina e ruas com alguma vegetação entre os prédios.
A entrada é restrita aos funcionarios. No meu caso, como mulher solteira, não posso receber qualquer homem no meu apartamento. Alias, o acesso é proibido. Existem guardas armados com metralhadora nas entradas e arame farpado em volta do complexo. A segurança e´providenciada desta forma. 
Em geral, tirando o transito infernal de Jeddah e a ausência de passeios para peões nas ruas, senti-me segura em Jeddah. Penso que atravessar uma estrada naquela cidade foi o maior risco a que me sujeitei enquanto lá vivi. 

A primeira festa privada organizada pelo grupo de emigrantes de Jeddah

O belo atrio do Hospital

O meu cartão de identificação do Hospital

Depois de mais adaptada ao trabalho e de conhecer melhor as pessoas, aceitei o primeiro convite para uma festa privada, num Condomínio muito bonito, o Sierra Coumpound. Aqui vivem pessoas de ambos os géneros, as casas são excelentes, existem restaurantes, couto de tênis, piscinas, salão de eventos, supermercados, etc. É uma autentica cidade dentro de Jeddah. É um local entre muros, onde as pessoas podem socializar livremente, usar roupas normais, serem eles próprios... É um local caro para se viver, sendo que as rendas são muito elevadas. Vivem aqui, principalmente americanos, ingleses, alemães... Pessoas ligadas aos Consulados, exercito, empresas, etc. Acredito que se tivesses morado neste condomínio ou noutro semelhante, me teria aguentado mais tempo em Jeddah. A qualidade de vida é muito superior ao sitio onde estava e bastante mais fácil de se ser feliz pois o convívio com outras pessoas e´constante, assim como as oportunidades de se praticar desporto, frequentar festas, caminhar num sitio agradável.
Jeddah não foi feita para se caminhar. Jeddah é uma cidade gigantesca, super populada, com imenso trafico caótico, ausência de espaços verdes, quente e sem rede de transportes públicos. Com a restrição das mulheres em conduzir e com noticias de casos de violação sexual por parte de taxistas, o receio de sair sozinha é considerável e para dizer a verdade, bastante trabalhoso.
Nós tínhamos autocarros providenciados pelo Hospital para nos levar para o trabalho, para os shoppings e para a Jeddah antiga, Balad.
A primeira saída á rua com um amigo novo, o Vice-Concil dos EUA


A Fonte do Rei Fahd

Um icone em Jeddah, no Mar Vermelho

No Cornish


Caminhada perto do mar

Na festa dos expatriados no Sierra Coumpound conheci o vice-concil dos EUA e
pela primeira vez fui conduzida ao Cornish, que é um belo passeio à beira-mar, uma das poucas zonas construídas para peões e é de facto uma zona agradável. Vi o que esperava visualizar há uns tempos, a Fonte do Rei Fahd.

Depois de conhecer mais pessoas e se criar uma rede social as coisas tornam-se mais fáceis.
O maior conselho que posso dar a quem se muda para a Arábia é aceitar todos os convites que são feitos para se ter a oportunidade de se conhecer pessoas. Criar a própria rede social é muito importante para se sentir normal num mundo tão diferente do nosso. Os árabes são pessoas muito educadas e simpáticas, mas nunca nos convidarão para ir a casa deles. Existem restrições culturais e religiosas que não pões de bons olhos a nossa socialização com eles. Obviamente que esta ideia vem das gerações anteriores e dos pais, mas a verdade é que eles receiam que sejamos "más influencias" para os filhos deles. No Hospital conheci e convivi com muitas pessoas muçulmanas, mas ali ficou. Nunca tive o convite para me encontrar com eles fora do Hospital. Sempre fui bem tratada, elogiada, até abraçada e beijada pelas minhas doentes e colegas árabes, mas não há propriamente uma mistura depois dali.

Mais á frente no Blog, noutro artigo dedicarei mais tempo a falar sobre os arabes e a cultura deles, gostava que percebessem que eles são pessoas fantásticas mas eles não serão a vossa "família" na Arabia. O vosso clã serão pessoas como vocês, deslocados, imigrantes naquele país. Por isso, saiam, socializem e com o tempo, seleccionem quem vão querer mais tempo convosco.

A socialização de uma mulher solteira com homens é proibida nos espaços publicos, mesmo para nós ocidentais. Nos Restaurantes existe a separaçao - famílias e mulheres solteiras para um lado, homens solteiros para outro. No entanto, em condomínios privados, em festas organizadas pelas embaixadas e consulados, em praias privadas, etc, isto é possivel.
Ao fim de um mês, exactamente de estar na Arábia, conhecí o Marc, na minha primeira ida á praia e muito rapidamente nos identificamos um com o outro e iniciamos um namoro apaixonado. Foi a maior das surpresas que tive naquele Mundo e naquela vida tão diferente e única. Ele foi a minha âncora e o meu porto seguro na Arábia. Por ele, eu decidi regressar, ao fim de terminar os meus 3 meses de contracto e fazer mais 1 ano. de trabalho no Serviço de Urgência do Hospital King Faisal.





Sinceramente feliz por encontrar um pouco de normalidade num mundo tão diferente

A fonte com o mais alto jacto do mundo, com cerca de 300m


O carro americano

Os shopping centers, o passatempo favorito dos árabes

Balad, a Jeddah antiga
                                   


Mercado de rua em Balad

Os inumeros gatos de rua

A primeira da á praia ao fim de um mês na Arábia


A bonita praia de La Plage resort

Sensação de liberdade!




No Restaurante de La Plage



Meninas ás compras